terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O primeiro soutien.

A escola era perto, tão perto que se faltasse à aula, de dentro de casa ouviria a voz do professor.

O povoado se confundia com o silêncio, no dia que acabava de nascer.

Ainda deitada na cama, o pensamento aceso era a sua urgência de vida. Paralelas, as vidas, a de dentro, e a de fora. Fechava os olhos e num instante ganhava asas, como se flutuasse no ar, para no instante seguinte, obrigar-se a regressar.

Era hora de acordar!

Que vestido usaria hoje para disfarçar o corpo que estuava debaixo dos botões? Ai como ela queria livrar-se daquele aperto.

Recusara o soutien que a mãe lhe trouxera da cidade, num misto de desejo e vergonha, pois nele vira a infância repentinamente ameaçada. Porque usar um soutien- justificava- usar um soutien só podia ser tão triste quanto deixar de correr pelos campos, recolhendo as flores das paineiras e as abobrinhas que cresciam sozinhas. Como ela crescera.

Usar um soutien só podia ser tão penoso quanto observar Dona Mariana que vinha toda semana à sua casa, trazer para a mãe os figos verdes e maduros.

Era-lhe muito penosa a vinda de Dona Mariana, o peito caido sobre a cesta de figos maduros, um despudor de nem-te-ligo, na hora de amamentar o filho bezerrão bem diante do seu espanto.

Jamais, jamais! - Ela pensava.

A mãe lhe estendera a peça com humildade, quase com devoção, adivinhando nos seus olhos a vontade:
-Use, minha filha, a mãe comprou para você. Vista, é seu.
- Não quero, mãe.
- Usa bobinha, vai te deixar mais confortável.
- Não quero, mãe, já disse. Não quero- impacientou-se ainda mais porque a palavra “seio” lhe lembrava a vaca com as suas vaquinhas, a porca com as suas porquinhas, a cachorra com as suas cachorrinhas, Dona Mariana com seu bezerrinho, e o susto que sentia toda tarde, na hora do banho, quando se lembrava de que estava crescendo como crescem os mamões.

Era sempre muito tarde quando finalmente se vestia. De casa para a escola, tão perto como um pensamento. Se não fosse, poderia jurar que tinha ido.

À frente da escola, o canteiro com margaridas. Dentro da sala, sobre a mesa do professor, um vaso com uma margarida.

O professor dizendo com voz grave: - Pois façam, então. A isso se chama cópia do natural - ele explicava.

A voz no fundo da sala era dela:
-professor, posso desenhar um vaso com uma rosa vermelha, assim bem vermelho carmim, em vez de um vaso com uma margarida branca e sem graça? Não falava por mal, falava por que acabara de descobrir o pensamento.

Ele estava já distraido e nem parecera ouvir, mas ela repetiu a pergunta e ao repetir, toda a sala ficou encantada, porque se ela pudesse fazer uma rosa em vez de uma margarida, então todos fariam uma rosa em vez de uma margarida.

- Seria isto uma rosa ou uma margarida? – ele exibia a margarida de duro talo, olhando fixo para ela.
E antes que ela respondesse, arrematou secamente:
- limite-se a copiar o que está à sua frente. Isto aqui é cópia do natural, não cópia de alguma coisa da sua cabeça.

Pensou rápido: à minha frente está um professor branco e sem graça como uma margarida desfolhada.

Pensou em desenhá-lo como um vaso, com margaridas brotando-lhe dos olhos, do nariz , da boca e de todos os redondos orifícios.

Mas obediente, copiou, porque a sua rebeldia não era contra as ordens e os decretos. Era contra os soutiens.

Texto: Ana Ribas
Publicado no Recanto das Letras em 13/08/2008
Código do texto: T1127078

6 comentários:

Sonia Regly disse...

Etel, que texto lindo!!! Estou com saudades de vc, me abandonou. Vou chorar, snif, snif.
Vim desejar um Feliz e abençoado 2009!!!!

O Sibarita disse...

Moça, belo texto e o primeiro soutien, segundo vocês mulheres, nunca esquece... kkk

E no caso dessa menina ai ela esqueceu de lá ele o sotien, antes mesmo de um dia tentar usa-lo... kkkkkkkkkkkkkkkkk

Sei não, viu? Será que lá ela ficou cresceu sem usar? Hum... kkkk


bjs
O Sibarita

Etelvina disse...

Oi, Sônia

não te abandonei, continuo sem net em casa.

visite meu blogue: reflexaoefe.blogspot.com


beijos

Etelvina disse...

Eita, Sibarita

sempre com suas piadinhas kkkkkkkkk

Com certeza ela acabou se acostumando com a "coisa". kkkkkkk

beijo de sua amiga paulista

Deusa Odoyá disse...

Olá, minha amiga!.
Como não esqueci e também não usei.
Pois era muito magrinha e seio quase nenhum.
Hoje uso, pois senão já viuuuuuuuuu.
os faróis ficam acesos.
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Beijos minha amiga.
Uma semana abençoada para vc.
Regina Coeli.

Uma aprendiz disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

No meu caso, uso por uma questão de conteção de queda kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

beijos