terça-feira, 4 de novembro de 2008

Epílogos

Que falta nesta cidade?......................Verdade.
Que mais por sua desonra?.......................Honra.
Falta mais que se lhe ponha.......................Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste socrócio?..........Negócio
Quem causa tal perdição?.............Ambição
E o maior desta loucura?...............Usura. Notável desventura
De um povo néscio, e sandeu,
Que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.

E que justiça a resguarda?.............Bastarda
É grátis distribuída?.............Vendida
Que tem, que a todos assusta?.......Injusta.
Valha-nos Deus, o que custa,
O que El-Rei nos dá de graça,
Que anda a justiça na praça Bastarda, Vendida, Injusta.

A Câmara não acode?...................Não pode Pois não tem todo o poder?...........Não quer
É que o governo a convence?........Não vence.
Que haverá que tal pense,
Que uma Câmara tão nobre
Por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence.


texto: Gregorio de Matos

domingo, 2 de novembro de 2008

Tarde de Outuno

Foi numa tarde assim. O vento soluçava
Agoirando do inverno a lúgubre hospedagem
No céu pálido, branco, há muito não rodava
Do sol a luminosa e rútila equipagem.

A derradeira flor, no jardim desfolhava
Sua pétalas. Era inóspita a paisagem
Em tudo uma tristeza imorredoira errava
Meu Deus! Que dolorosa e tristonha miragem!

E eu, sonhando, revia em meu dourado sonho,
O meu viver tranqüilo, o meu viver risonho,
Tendo junto de mim o teu amor calmo e terno.

Reinava um frio intenso...e tu partiste, envolto
Num último sorriso a murmurar "eu volto"
E não voltaste mais! Voltou somente o inverno...


texto: Yde Schloenbach Blumenschein

sábado, 1 de novembro de 2008

Lágrimas Ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que rí e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi outras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma,

Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

Texto: Florbela Espanca