quinta-feira, 10 de julho de 2008

Dois pesos, duas medidas

Ainda me surpreendo com algumas coisas. Acabei de ver na TV o repudio de alguns senadores chocados com a prisão de um banqueiro. Isso depois de um ano de investigação.
Será que entendi mal? Parece que o senador disse que: “é justo prender pobres e ricos.... mas os muito ricos? E usar algemas?.....”
Eu devo ter ouvido errado.
Na hora me veio á mente a imagem da Nazareth, uma antiga vizinha nossa que encontrei ontem na casa da minha mãe.
Mulher rígida que se orgulha de ter vindo de Pernambuco para São Paulo para ganhar a vida.
Sem papas na língua sempre fez questão de ser correta em tudo que faz.
Nem que para isso ofendesse as pessoas a sua volta. Não concordava com o erro nem que perdesse um amigo.
Contava as gargalhadas que aqui na cidade conheceu o seu Givaldo, um sergipano lindo de morrer. Depois de algum tempo de namoro – com muito respeito como faz questão de dizer -, casaram-se e tiveram quatro filhos. O Francisco é o caçula.
Mãe zelosa, nunca deixou os filhos soltos por ai. Estava sempre de olho, orientando e fiscalizando os “meninos”.
Os filhos casados ainda hoje falam com os pais antes de tomar qualquer atitude.
Quando o Francisco ia completar 18 anos o pai comprou um Fusca velho para que o rapaz fosse arrumando aos poucos e valorizasse seu primeiro carro.
O que terá sido feito do Fusca?

Ontem foi feriado aqui em Sampa aproveitei para visitar minha mãe e levei um susto quando encontrei a Nazareth lá.
Ela está magra e sem vida.
- Oi Nazareth, você está bem?
- Ontem não fui ver o Francisco.
- Não, Nazareth!
- O Givaldo foi.
- Como ele está?
- Indo.
- Ele está com quantos anos?
- Vai fazer 19 no final do ano.
Tento imaginar como está sua aparência hoje. Não consigo. Na mente só ficou a imagem daquele menino tímido, cabisbaixo e tranqüilo. Segundo os pais, um menino obediente, estudioso e extremamente fechado.

Parece que foi ontem.
- Filha, peça oração na igreja o Francisco e mais oito meninos foram presos.
- Não acredito! O Francisco?
- É. Ele saiu para sua primeira festa com amigos e agora estão todos na delegacia.
Coloco o fone no gancho como se estivesse colocando uma barra de 100kg no suporte.
Mas o que será que fizeram esses meninos?
A primeira coisa que faço ao chegar na igreja é pedir a oração. Comovidos pela situação dessas mães sou atendida prontamente.
Não consigo tirar essa história da mente.
O telefone toca várias vezes mas minha mãe não está em casa.
Bem mais tarde ela me liga:
- Oi filha, tudo bem?
- Tudo. Mas e o Francisco?
- Ai filha, ele esta preso.
- Mas como? Ele não é primário, menor?
- Ele fez 18 anos no mês passado.
- Sei. A senhora está chorando?
- Ai filha, a Nazareth está arrasada. Bateram muito nos meninos.
- Mas não podem fazer isso – grito do outro lado do fone.
- Mas eles tentaram roubar o carro de um policial que estava parado namorando. A moça é filha de um juiz.
- Mesmo assim mãe.
- Não sei. A Nazareth disse que o Francisco teve que assinar por tudo. Ele e outro menino que fez 18 anos ontem.
- E os outros?
- São menores e já foram levados pra FEBEM. O delegado e os policiais não deixaram a advogada falar nada. Não quis ouvir nem os pais.

Olho para o rosto daquela mãe e fico muda.
Não há mais nada da Nazareth que conheci. Como não tinham dinheiro nem conhecimento nenhum, bateram na porta de uma advogada recém formada dando graças por ela cobrar só CR$ 2.000,00 para ir com eles à delegacia.
Não entendo de leis – e quem entende -, mas dois meses depois o Francisco foi julgado e pegou 11 anos de prisão, sem apelação.

Texto: Etelvina de Oliveira

8 comentários:

Lucia disse...

Etel:

Entendo e compartilho da sua incredulidade e indignação. Quando li o seu texto fiquei me perguntando qual é a minha parcela de responsabilidade nesse episódio.
E, infelizmente, tive que admitir que é grande, como aliás acho que é de todos nós, brasileiros, que concordamos em manter este estado de coisas. Porque, na verdade, somos coniventes com isso, na medida em que não nos posicionamos de forma objetiva. Nos indignamos, mas a maior parte de nós nem ao menos se lembra em quem votou nas ultimas eleições, de forma que nem pode dizer com certeza se o "seu eleito" não votou alguma lei que gera e mantém a impunidade. Infelizmente, as pessoas preferem manter uma indignação passiva, se ausentando da responsabilidade que lhes cabe, com frases do tipo: " não gosto de politica".. como se politica fosse algo que não determisasse a vida delas, do banqueiro e do filho da Nazareth. Penso, Etel, que já passou da hora de sermos omissos e irresponsaveis,
e de assumirmos que temos o dever de dizer o que queremos e o que não queremos para as nossas vidas. Isto não é uma apologia ao voto consciente, até porque voto consciente deveria ser sinal de inteligencia. É somente um desabafo
porque assim como você, estou cansada de ver pessoas incompetentes dirigindo minha vida.
Beijos, querida. Gostei imensamente do seu texto.

Sonia Regly disse...

Ethel,
Lindo texto, Parabéns!!! Leva-nos a uma reflexão e tomada de posição.Têm pos t novo, te aguardo lá no Compartilhando as Letras. Beijinhos.

Maripa disse...

É,querida Etel,temos mesmo é que levantar as nossas vozes,gritar se preciso for, porque escrevendo
também se grita!

Perguntar, bem alto, porque é que as redes só apanham peixe miúdo?
Peixe grande não, porquê?

Beijo carinhoso e obrigada por estar atenta.

Etel disse...

Sonia

obrigada, querida.

beijo

Etel disse...

Lú,

Estou descrente amiga.
Outro dia meu irmão disse uma coisa prá se pensar, "a única maneira de mudar isso é nos colocarmos lá dentro".
Ou seja, ao inves de criarmos filhos para serem jogadores precisamos criar uma nova geração de politicos. Os que estão lá são "geneticamente corruptos".
Todo mundo é parente de alguém.
Claro que isso é uma analogia.
Atualmente somos reféns dos "fora da lei" sejam eles marginais, policia ou politicos.
Até parece que vivemos em mundos diferentes: de um lado ELES e do outro os "enjaulados" que somos nós.
Me envergonho de ter sido tão alienada a vida toda. Nem protestar eu sei. Sinto inveja dos "caras pintadas", e por onde andam eles?
Ai, ai..... preciso de terapia. kkk

beijo

Etel disse...

Maripa,

Nós também estamos presos nessa rede.
Uma rede mais perigosa: o medo.
E de uma certa maneira nos tornamos coniventes na medida em que não reagimos.
A única reação que tenho é escrever aqui.
Mas em que isso muda alguma coisa?

beijo

Isabel Cristina disse...

Faço das palavras da Lúcia as minhas...

bjinhos

cuide-se miguinha...saúde,paz & amor

Pati disse...

Oi,Etel

NOssa,esse teu texto só demonstra como este país tá cheio de injustiça p os pobres e impunidade p os ricos.Isso estamos cansados de saber,vemos todo dia exemplos disto.
Eu não sou advogada p saber qual a pena justa q cabe a uma tentativa de assalto,mas 11 anos?p um guri de 18 anos?mesmo q tenha bom comportamento,ao cumprir 1 sexto da pena quando sair p o semi-aberto,vai ser um homem muito pior do q era qdo entrou na cadeia,pq sabemos o q acontece nelas e com certeza aprender a se tornar um ser humano melhor e com boas perspectivas é o eles menos aprendem.Só posso ter pena dele,pq com certeza ele não pensou que poderia tornar sua vida um inferno por uma decisão impensada.E tenho pena dessa mãe e desse pai que não poderiam imaginar coisa pior p o filho.
Sou um tanto descrente com mudanças,infelizmente.Mas parece q pelo menos a policia federal
está tentando mostrar serviço...até esbarrar num figurão maior q vai proteger esses canalhas endinheirados.UM Brasil honesto?acho utopia,só em várias gerações p mudar uma cultura de sem-vergonhice q atinge a grande maioria.
Mas gostei do texto.Beijoss e lindo fim de semana.