terça-feira, 1 de julho de 2008

Apenas saudade

Houve um tiro.
Um disparo no meio da noite, ceifa-se uma vida, uma história.
Não houve depois um caminho.
Não importa mais a mão que segurava a arma ou os motivos. Acabou.
Daquele momento em diante nunca mais um sorriso, um aceno.
Nunca mais a insistência daquele último beijo, o abraçar as crianças, aquela despedida cheia de volta.
Faz quanto tempo mesmo?
Quem apagou a luz?
Quem eram aquelas pessoas de luto?
O que aconteceu com os anos?
Quando parei de culpar-te por ires embora?
Cada novo tiro, cada nova morte lembro-me de ti. Parece que a dor do outro ascende em nós a nossa própria.
Nesse momento tem outras pessoas chorando de dor pela perda.
Não choro. Sinto saudades.
Saudades do antes, dos risos, dos olhares, da cumplicidade, do companheirismo, da rápida passagem por nossas vidas.
Em cada um deixas-te uma marca.
Em todos, deixas-te a lembrança de afeto, atenção e união.
Te vejo nos teus frutos.
Não consigo odiar a morte nem o quê mata.
Na verdade, o que sangra é a vida que passa.

Etelvina de Oliveira

em memória de Silas Carvalho de Moura - 1963/1994

13 comentários:

Lucia disse...

Etel:

"Não importa mais a mão que segurava a arma ou os motivos. Acabou."
A frase é de uma simplicidade estonteante e, ao mesmo tempo, de uma profundidade impressionante. É bem isso, né? Não importa, simplesmente nada mais importa,porque o importante não tem mais retorno.
Um dos mais lindos, profundos e doídos textos que você já escreveu. Parabéns pela coragem!
Beijos

Etel disse...

Lú,

Tenho sentindo uma saudade profunda de detalhes que não lembro mais.
Não sei como recuperar o vazio entre os fatos.
Acho que acabou mesmo.

um beijo

Lucia disse...

Etel:

Não há como recuperar o vazio entre os fatos. Penso que esta seja, inclusive, a forma abençoada de nos protegermos da dor e seguir em frente. Se o pensamento não criasse lacunas, ficariamos repisando todos os fatos e, de certa forma, chafurdando na agonia.
As lacunas se criam exatamente para que possamos ir preenchendo-as com as boas lembranças, com a boa saudade,com a tristeza que dói, mas não mais nos destrói.
Sabe, eu acho que não acabou, como você diz. Um tiro pode ter matado um tempo de vida, mas não matou tudo o que aquilo significou, não matou o sorriso,a ternura, o que foi compartilhado. Não matou o legado que ficou. Este te pertence, não pode ser arrancado de dentro de você.
Beijos, querida!
Fica com Deus!

Maripa disse...

Sabe querida,eu não tenho palavras,nem sei mesmo que dizer... porque há perdas que deixam sempre marcas profundas.E eu sei o que isso é.

Sinto estar tão longe ...a minha vontade era dar-lhe um abraço forte que dissesse tudo...

Beijo carinhoso.

O Sibarita disse...

Oi Etelvina, é duro, muito duro perder um ente querido de forma tão estúpida, imagino, a dor e o sofrimento do se ficar de repente assim.

Seu texto, demonstra o quanto você tem de bondade no coração, não é um texto cheio de revoltas.

É um texto que nos leva a uma reflexão profunda de como podemos viver numa geurra sem fim de pessoas que ceifam vidas por nada e deixam a reboque outras tantas estraçalhadas.

Mas, nas entre linhas do seu texto percebo que apesar do sofrimento você perdôo, isso é muito bom, por que o perdão é necessário...

Você é uma grande mulher! A vida segue em frente...

bjs
O Sibarita

Anonymous disse...

Belo poema apesar de melancólico...mas tbm concordo com a Lúcia, acabou...e restam lembranças de um tempo hipoteticamente bom...repetir o tempo é impossível...resta-nos caminhar sempre para frente pois dias melhores virão mesmo sob debaixo de uma tempestade, pois o sol sempre aparece...desejo que este poema represente uma libertação, que seja um divisor de águas na sua vida
saúde & paz
pq o resto a gente corre atrás!!!
bjussss
Bel

Uma aprendiz disse...

Oi, maripa,

nem precisa dizer nada minha linda.
Fique por perto, só isso.

um beijo

eliane disse...

Amiga! Este texto é de uma profunda sensibilidade,confeso que me emocionei!
beijos

Uma aprendiz disse...

o sibarita,

Sei que cada um de nós tem um tempo de validade. Todos passaremos pela morte. Para cada um ela virá de uma forma.
Quando ela chega é claro que doi e machuca, mas sempre penso nos que ficam.
Sinto pena do agente causador.
Da mão no gatilho, as mãos no volante, a mãe do assassino, o médico tardio, o remédio sem efeito... etc
Ferir o culpado lhe trará de volta seu ente querido?
Cada qual com sua dor.
Não tenho mágoas nem raiva, tenho saudade.
Mas até a saudade é algo que visto e depois guardo no baú das lembranças.
Ele veio e fez o que Deus lhe determinou. Eu sei onde ele está.
A mim resta as surpresas do que virá.

um beijo, amigo

Uma aprendiz disse...

Lú,
Lembrei do trecho do livro que diz que o tempo é um incendiário que torna em cinza as lembranças.

um beijo

Uma aprendiz disse...

Amém, Bel

também espero isso.
Renascer é o que fazemos todos os dias.

um beijo minha querida amiga

Uma aprendiz disse...

Eliana,

obrigada pela visita, mocinha.
Por isso, nunca perco a oportunidade de dizer o que sinto.
O amanhã não nos pertence.

te gosto muitão, viu?
um beijo

Isabel Cristina disse...

Estou por perto simmmmmmm miguinha querida e fico feliz em saber que o que sente agora são saudades que estão guardadas no baú do coração, isso mesmo, no baú do core e não espalhadas , feito pedras que dão topadas no caminhar , pq se caminhar é preciso, que seja livre o percurso né?? na onda da Rita Lee, desejo que um " doce vampiro" tenha "muita mania de vc" e não te largue mais, mulher de " cor-de-rosa-choque"
boa sorte, fica com Deus
bjussss