terça-feira, 24 de março de 2009

Do nariz aos pés.

Sempre ouvi dizer que a vida começava aos 40.
Fazendo as contas, a minha começou um dia desses, ou quase.
Meu crescimento, a partir dos 40, está sendo em doses homeopáticas.
Só no ano passado é que vim a descobrir dois extremos do meu ser: meu nariz e meus pés.
No caso do primeiro, soube por um otorrinolaringologista que meu nariz não funcionava.
Isso mesmo!
Ele olhou muito sério para meu Raio X dos seios da face e mandou o diagnóstico:
- Você não está com sinusite, mas seu nariz está feio mesmo.
- Como assim? – pergunto entre surpresa e magoada.
Ele me chama para ver mais de perto “a foto” fatídica.
- Está vendo aqui?
Olho sem ver nada de mais nem de menos.
- Mas em todo Raio X o meu nariz sai assim.
- Ninguém nunca mandou você procurar um especialista?
- Não.
Saio da sala de posse do bendito Raio X e as guias de outros exames.
Dias depois, na consulta de retorno, não soube distinguir se o sorriso do “doutor” era de educação ao me vir ou se era de satisfação de poder me provar, pelos exames, que meu nariz estava um "bagaço" mesmo.
Depois das gentilezas de praxe descubro que desde os meus 15 anos eu não respiro pelo nariz.
Fazendo as contas do antes, do agora e do futuro: nunca tive nariz.
- Como assim?
Adoro essa frase!
- Você teve uma deformação na concha esquerda formando uma bolha de ar que fechou essa narina - fala apontando o raio X.
- Por sua vez, essa bolha empurrou o septo que obstruiu o lado direito, explica.
- Ãhã - finjo que entendi tudo.
- Teremos que fazer uma pequena cirurgia - conclui.
- Certo.
Achei melhor encerrar a conversa e ir consultar outros “especialistas”: minhas amigas de serviço, minha mãe, irmã, cunhadas e amigas de internet.
As opiniões foram bem variadas, mas resolvi fazer a tal cirurgia.
Passada as primeiras semanas mais sensíveis, estou aqui com meu lindo narizinho – ele sempre foi uma graça -, funcionando que é uma beleza.
O próximo passo será aprender a respirar por ele.

Por outro lado, no extremo sul do corpo tive uma grata surpresa: meus pés.
Não é que nunca prestei muita atenção nos “bichinhos”!
Em plena aula de Narrativa eu os descobri, quando a professora soltou a seguinte explicação:
- Tem muita gente que não lava os pés. Acha que, só porquê já lavou os cabelos e ensaboou o corpo, não precisa lavá-los. A água que escorre do corpo já faz isso.

E você, lava os seus?
Pode afirmar com 100 por cento de certeza? Tirando os dias de muita pressa?
Pessoalmente, tive que puxar pela memória.
Acho que perdi tanto tempo controlando o diâmetro da barriga e a queda livre das mamas e glúteos que nunca enxerguei os pés.
Lavar, secar entre os dedos, passar creme hidratante isso tudo é tão automático que nunca fiz isso como realmente se deve: com carinho.
O máximo do máximo é levá-los ao pedicure.
Engraçado como deixamos de prestar atenção em nós.
No meu caso, os pés assim como o nariz são só exemplos.
Vamos nos acostumamos com a ausência disso ou daquilo, ou valorizamos tanto a aparência no geral que esquecemos os detalhes.
De que me adianta um corpo escultural – ou nem isso -, se não tiver meus pés?

Depois dessa aula passei a cuidar melhor dos meus.
Aliás, ando cuidando mais de mim.
Descobri que, se nunca notei o que está na minha cara, nem os pés - que me mantêm em pé -, o que dirá dos meus sentimentos?
Pensando bem, a vida não começa quando nascemos e sim quando nos descobrimos.
Pode até ser aos 40.
Quando chega a hora.
Chegou a hora.
Sempre é tempo para aprender e descobrir o esquecido, o que está fora de uso.
Quando fazemos isso podemos começar a pensar no que queremos e para onde iremos em seguida.

Bons sonhos!

quinta-feira, 19 de março de 2009

Te amo Pandora.





Adoro flores e, em especial, as rosas.
Na última casa térrea em que morei tratei de improvisar um jardim, plantei varias florzinhas (não sei o nome de nenhuma) e uma roseira linda, de uma espécie diferente que eu trouxe do Paraná. Ela era cheia de galhos cobertos por pencas de rosinhas grudadinhas uma nas outras. Lindas!
Comprei vários enfeites de jardim: sapinhos, passarinhos e pedras coloridas. Não satisfeita, coloquei pregos e vasos na parede, uns três apoios para uma planta bonitinha que soltava galhos enormes que subiam pela garagem.
Depois do trabalho, já no finalzinho da tarde, eu me deliciava jogando água nas plantas, sentava ali do ladinho do meu minúsculo jardim, de 0,90 cm de largura por 1,5 m de comprimento, e ficava observando as gotas escorrendo pelas folhas. Da terra subia aquele cheiro gostoso e delas saia aquele perfume fresco. Sentia-me em plena Amazônia.
Da porta, Pandora, no auge dos seus dois meses de vida, me observava curiosa mas ainda sem coragem de se arriscar rumo ao desconhecido.
Quando enjoava daquilo, ela entrava abanando o rabo e ia brincar com algo mais interessante.
Você conhece algum Beegle?
Pois é, um belo dia a Pandora descobriu que ali era o melhor lugar do mundo para ser seu banheiro e seu esconderijo para enterrar de um tudo.
Lá se foram as rosinhas, florzinhas, plantas, terra, enfeites, cano da água e até a pintura da parede da garagem.
Em pouco tempo aquele espaço se tornou uma referência de um pós guerra.
Mas não pense que foi assim "uma guerra", começou com uma pequena desobediência, um ato de rebeldia, uma coisinha boba e a coisa foi criando corpo.
Ela me olhava com aqueles olhinhos de vítima, dava uma lambida e pronto. E fui deixando para lá. Quando finalmente me dei conta "as flores já eram mortas".
Com o fim do jardim, passei a ter uma nova rotina. Quando abria o portão encontrava a Pandora toda satisfeita sentadinha na porta toda suja de barro daí era só tentar descobrir o que tinha sumido da casa.
Quando ela tinha um ano e pouco as crianças saíram para a escola e a deixaram dentro de casa. Foi lindo.
Abri o portão e não a vi, achei que ela tivesse fugido. Corri para a porta da sala com o coração aos pulos pronta para jogar a bolsa e sair em busca da fujona. Para minha surpresa a sala estava coberta de espuma, no centro do sofá um enorme buraco e deitada no tapete, com a mesma carinha de sempre, quem? Quem?
Pandora, é claro.
Hoje consigo dividir minha relação com o mundo animal em dois tempos: antes e depois da Pandora.
Com ela aprendi o que é amar incondicionalmente.

Uma linda noite pra ti!
beijos

Etel

quarta-feira, 18 de março de 2009

O cachorro do meu pai.

Hoje acordei com saudades do cachorro do meu pai.Um mês depois do meu 11º aniversário ele se mudou pra casa da vizinha. Não entendia o por quê, minha mãe sempre dizia que cachorro macho é assim mesmo. Só me lembro que sempre que ficava zangada com ela, ou com muita saudade do meu pai, eu gritava:
- Nem o cachorro do meu pai quis ficar nessa casa.
E ela, calmamente respondia:
- Filha, a vizinha era esposa do melhor amigo do seu pai, por isso ele foi morar na casa dela.
Não importa, no mesmo dia eu perdi meu pai e minha mãe o cachorro - quando era pra elogiar o cachorro era dela.
Até hoje ela mesma diz que aquele foi o único cachorro que ela gostou de verdade, teve outros mas nunca se apegou. Ficava com eles um tempo daí enjoava e mandava embora.
Minha irmã até hoje não quis saber de cachorro em casa mas eu resolvi tentar. Quando contei pra minha mãe ela foi logo dizendo:
- Você é quem sabe, mas não importa a raça nem a cor: cachorro macho vive demarcando território.
E completava: - Melhor escolher fêmea.
Nem dei ouvidos.
Com a convivência vi que minha mãe tinha lá sua razão.
O meu não podia ver rabo de saia que ficava na maior safadeza e quando eu saia com ele na rua não podia ver uma fêmea que já queria cruzar.
Que vergonha!
Mas como eu não queria dar o braço a torcer pra minha mãe, agüentei firme. A gota d’água foi o dia em que cheguei do trabalho e encontrei aquela minha blusa maravilhosa - de seda fina, decotada e justinha -, toda rasgada. Fiquei furiosa e mandei o cachorro embora.
Passei uma barra pois meu filho já tinha se apegado ao cão, mas não teve jeito não podia voltar atrás na decisão.
Ficamos um bom tempo sem cachorro em casa. Em um dos aniversários da minha caçula saímos para escolher um presente e o inevitável aconteceu: nos apaixonamos por um par de olhos castanhos naquela carinha de “mamãe me leva”.
Voltamos pra casa felizes com a primeira fêmea da minha vida: Pandora.
Mas essa é outra história.

Bom dia!



P.S.: Depois do enterro do meu pai nosso cachorro, Buquê, passou a morar na casa do melhor amigo dele. Todo dia ele vinha nos ver mas nunca mais dormiu na nossa casa.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Como os Pinguins

Se ao homem fosse dado
amar somente uma vez,

Profunda, sincera e
eternamente,

Não haveria:
histórias entrelaçadas
nem distancias não percorridas.

No final,
quem sabe,
apenas uma lápide.


Etelvina de Oliveira
Publicado no Recanto das Letras em 13/3/09
Código do texto: T1484674

quinta-feira, 12 de março de 2009

Fim das Loiras

Outro dia meu filho Lucas me deu a seguinte noticia:
- Mãe eu li na net que as Loiras vão acabar.
- Nossa, como assim?
- Os cientistas dizem que geneticamente a loira natural, tipo de pai e mãe, não vai nascer mais e.... – o celular toca e põe fim a explicação do garoto.
Ele se afasta animado com assuntos muito mais sérios que o fim das loiras e volto a escrever meu texto no blog.
Esse Lucas é uma graça – falo com meus botões e o teclado -, adora pesquisar na internet. Como sua paixão é o cinema, 90% do seu tempo é dedicado a vasculhar a vida e morte de atores, diretores, produtores, filmes premiados, gastos em produção e até quais os maiores prédios do Brasil e do mundo. O fato do maior prédio de São Paulo só ter 51 andares é algo que o consome, já que esse detalhe, segundo ele, impossibilita a filmagem de um bom filme de ação que ele fará.
Bem, os outros 10% do tempo ele pesquisa de tudo inclusive esse fato relevante do fim das loiras.
Já tinha dado esse assunto por encerrado até que nesse final de semana resolvi retocar as raízes do meu cabelo no novo salão de beleza que inaugurou na minha rua.
Acordei cedo e fui uma das primeiras a entrar no salão.
A dona muito simpática foi logo me adiantando que só poderia me atender porque, por coincidência, uma cliente havia desmarcado o horário.
Agradecida lhe expliquei que só queria escurecer as raízes do meu cabelo e notei um certo ar de reprovação dela.
- Não prefere clarear?
- Não, nãoooooo.
- Um tom a menos, então? Um marrom?
- Não. Gosto dos meus cabelos preto mesmo.
- Sério – a cara de repulsa dela me fez olhar de novo para o espelho.
E ela acrescentou:
- Depois de uma "certa idade" o ideal é ir clareando os cabelos, quanto mais claro melhor.
Aquele pequeno detalhe na frase ficou martelando minha cabeça um bom tempo: “depois de uma certa idade”. Há que idade ela se referia?
Existe uma idade certa para se deixar de ser morena?
Será que o Lucas leu certo? São as loiras ou as morenas que estão em extinção?
- E aí? Vamos mudar de cor? Enquanto você pensa vou orientar as meninas do lavatório.
Ela se afasta e percebo que o salão já não está mais vazio, tem duas moças Loiras fazendo as unhas, outra Loira sentada no lavatório e, pasmem vocês, percebo que todas as funcionarias do salão são “descoloridas” indo do marrom ao loiro desespero.
Me sinto uma morena fora d’água.
- E aí, já pensou?
- Vou só escurecer as raízes mesmo – procuro dar um tom de convicção.
- Eu acho que você vai se arrepender – conclui separando meus cabelos em quatro.
Pego uma revista super informativa e me afundo na cadeira bisbilhotando as intimidades dos artistas.
O processo não leva mais que 10 minutos. Ela pede que eu mude de lugar e aguarde de 30 a 40 minutos. Pego minha Quem e vou me misturar as Loiras.
Discretamente, observo uma aqui e outra ali e o entra e sai de mulheres no salão. Nenhuma morena.
Finalmente, termina o tempo e lavam meus cabelos. Volto para a cadeira em frente ao espelho e levo um susto. Meus cabelos estão tão negros que pareço uma assombração.
São meus cabelos ou já estou influenciada pelo meio?
Me sinto horrível.
- E ai, gostou?
- Ãhã – respondo entre lábios.
- Dá próxima, que tal tentar clarear um pouquinho?
- Pode ser.
Quase saio correndo.
Para me confortar vou falando pra mim mesma: “Acho o fim do mundo tanta mulher de cabeça clareada e as sobrancelhas escuras. Parecem taturanas.”
Cadê meus sais?


texto: Etelvina de Oliveira

sábado, 7 de março de 2009

Ser Mulher


Gilka Machado

Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida, a liberdade e o amor,
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior...

Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor,
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um Senhor...

Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...

Ser mulher, e oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!